Pauta em discussão

Prazo encerrado

Acesso a dados cadastrais por “autoridades administrativas”

Discussão criada por Francisco Brito Cruz em 12/02/15

Tema: Guarda de Registros

Não sei qual é o eixo adequado para propor esta discussão, mas vamos lá.

O artigo 10º do Marco Civil diz o seguinte:

Art. 10.  A guarda e a disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet de que trata esta Lei, bem como de dados pessoais e do conteúdo de comunicações privadas, devem atender à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas.

(…)

§ 3o O disposto no caput não impede o acesso aos dados cadastrais que informem qualificação pessoal, filiação e endereço, na forma da lei, pelas autoridades administrativas que detenham competência legal para a sua requisição.

Minha preocupação é com a extensão deste parágrafo terceiro. São três pontos:

1. Em que medida a autoridade pode, em seu pedido de acesso, ligar tais dados cadastrais a uma conta ou algum outro dado? Este parágrafo pode permitir que qualquer autoridade de posse de um IP possa pedir à operadora de telecomunicações responsável pela administração do IP o cadastro do usuário que o utilizou, sem crivo judicial. Para atingir as garantias previstas no caput acredito que deve estar claro na regulamentação que estes dados cadastrais só podem ser acessados com a indicação de um nome de usuário ou outra informação pertencente à conta de serviço do usuário de Internet em questão.

2. Que autoridades são essas que podem acessar dados cadastrais? O decreto precisa definir o que entra neste escopo, sob pena de ficar amplo demais. Deve dizer também que o acesso deve estar condicionado à finalidade administrativa da autoridade e à uma justificativa do pedido – afinal de contas são dados de titularidade do usuário de Internet em questão.

3. Qualquer acesso deste tipo a dados cadastrais deve ser informado ao titular dos dados. Isso resguarda o direito dos cidadãos serem informados sobre o uso de seus dados pessoais fornecidos no cadastro para qualquer finalidade diferente do que o consentido (regra inclusive do Marco Civil) – incluindo a finalidade investigativa. Casos de exceção devem estar previstos – e o pedido de exceção, justificado.

Discussão sobre a pauta

  1. Opinião
    Compartilho as mesmas preocupações que o Francisco.

    É preciso muita cautela nesse ponto. O Brasil tem uma tradição jurídica pouca afeta a controles dos atos de autoridades administrativas. Uma forma de contornamos as raízes autoritárias do direito administrativo brasileiro é exigirmos justificativas para esses pedidos. No caso do parágrafo 3º do artigo 10, a ideia é que a regulamentação não exija somente a “competência legal para sua requisição”, mas também uma justificativa que explicite as razões para tal pedido. Com isso, criamos uma moldura jurídica que diminui as chances de pedidos sem fundamento.

    Poderíamos discutir também se esse mesmo raciocínio jurídico poderia ser aplicado ao artigo 15, parágrafo 2º, do Marco Civil.

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  2. Opinião
    Compartilho as mesmas preocupações que o Francisco e Rafael, precisamos tomar cuidado para evitar maus resultados, devemos exigir justificativas para esses pedidos, uma justificativa que explicite as razões para tal pedido, virtude que nos faz conseguir o que desejamos, evitando todos os perigos, boa sorte a todos nós….
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  3. Opinião
    Este marco não passa de uma censura travestida. Milhares foram enganados com a petição na avaaz. Agora qualquer petista dentro da máquina pública podera acessar a bem gosto meus dados.
    Revogação de todo o estatudo ou pelo ao menos desta parte.
    Somente o judiciário tem essa autoridade.
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    • Opinião
      Oque houve foi uma negociação no Congresso e a sociedade civil não pode fazer nada naquele momento, com risco de todo trabalho feito fosse por agua abaixo, porém, nunca é tarde, além do APL de dados pessoais estar em consulta podemos nos organizar como sociedade outra vez e bater na remoção ou devida alteração nos artigos que representam tal dano ao cidadão, seja via PL ou via ADI. #FicaDica.
  4. Opinião
    Quando vejo o texto do Marco Civil começo a dar risadas porque ele pretende regulamentar questões que seriam facilmente ajustadas pelas leis de mercado, não quer um plano de internet que ofereça apenas Facebook? Simples, não contrate e busque o concorrente. Infelizmente no Brasil até a iniciativa privada é incompetente e vive trocando favores com o Estado para continuar incompetente.

    Em relação a segurança dos dados, temos uma questão muito preocupante. Falam muito do tal poder econômico, mas quem está autorizado a ver esses dados? Pelo texto, qualquer um da esfera administrativa. Até que isso seja de fato esclarecido penso que o Marco Civil é um Cavalo de Troia que dará munição para perseguições de acordo com o momento.

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    • Opinião
      Francisco, não concordo com você que “qualquer um na esfera administrativa” possa ver dados. O que temos é uma abertura para autoridades administrativas de requererem dados cadastrais – que é um tipo de dado específico. Os dados de navegação (logs), que dizem muito mais sobre nosso comportamento na Internet (e valem como prova muito mais forte), estão protegidos pela necessidade de uma ordem judicial para o acesso.
      Sobre a sua opinião política de que “as leis de mercado” resolveriam qualquer questão, discordo também. A questão dos planos de Internet móvel que você citou, por exemplo, está recheada por implicações concorrenciais que podem ser lesivas ao consumidor. Alguns princípios de governança precisam ser estabelecidos, inclusive para frear a ação do Estado quando necessário (como, por exemplo, a exigência de ordem judicial para que a Polícia quebre o IP de um usuário).
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    • Opinião
      Não temos concorrência e esta é uma briga que envolve políticas de desenvolvimento de infra e regulamentação forte em cima das concessionárias. Para saber mais clique aqui : https://www.campanhabandalarga.com.br/proposta/

      Em relação a segurança dos dados, devemos e retirar da Lei a obrigatoriedade e só permitir se for feito por Ordem Judicial e de forma bem específica para não dar chance ao vigilantismo de massa, inclusive os dados cadastrais.

      “Aqueles que abrem mão da liberdade essencial por um pouco de segurança temporária não merecem nem liberdade nem segurança.
      Benjamin Franklin “

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  5. Opinião
    Quando se fala que o usuário deva ser informado de que seus dados foram solicitados por autoridade administrativa não concordo com esse posicionamento. Isso é muito comum por exemplo pelo Google, Yahoo, Apple que tem nos seus guias de Law Enforcement Online um ponto que deve informar o usuário que foi solicitada informação sua. Ora, se durante uma investigação em andamento, o investigado é informado que foram solicitados dados seus, com certeza a investigação ficaria comprometida e dificultaria bastante a individualização da autoria e materialidade delitiva.
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    • Opinião
      Alesandro, acredito que o autor do tópico considerou essa possibilidade em que a investigação ficaria comprometida com o aviso do fornecimento de dados como caso de exceção justificável. O aviso deve ser regra, pois o titular dos dados, principalmente quando ele está sendo investigado, só assim pode exercer devidamente seu direito constitucional de defesa.
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      • Opinião
        Exato, Jacqueline. Até porque não estamos falando só de investigações de cunho penal. Se fosse o caso somente o MP e a Polícia poderiam requerer os dados cadastrais. Estamos falando de processos administrativos que podem ser de outra natureza.
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  6. Opinião
    Concordo com as preocupações a respeito do conceito de “autoridade administrativa”. Por esse aspecto, um Presidente de Processo Administrativo de uma prefeitura, de um órgão público, pode fazer a solicitação ou, até mesmo, o Prefeito. Considero essa referência inconstitucional no MCI, porém, caso permaneça, deve ser bem especificado os limites e conceitos atinentes.
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  7. Opinião
    Na nossa opinião, o escopo da expressão “autoridade administrativa” deverá seguir o mesmo entendimento do art. 17-B da Lei de Lavagem de Dinheiro – n.9613/1998:

    “Art. 17-B. A autoridade policial e o Ministério Público terão acesso, exclusivamente, aos dados cadastrais do investigado que informam qualificação pessoal, filiação e endereço, independentemente de autorização judicial, mantidos pela Justiça Eleitoral, pelas empresas telefônicas, pelas instituições financeiras, pelos provedores de internet e pelas administradoras de cartão de crédito. (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)”.

    O regulamento deve explicitar esse entendimento para que não haja risco dessa competência ser atribuída a uma gama maior de autoridades.

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  8. Veridiana Alimonti (Intervozes)
    Opinião
    Além da lei citada acima pela Laura, há outra menção legal a ser considerada na regulamentação do Marco Civil para o art. 10, §3º, que está presente na Lei de Organizações Criminosas (Lei Federal n. 12.850/2013):
    “Art. 15. O delegado de polícia e o Ministério Público terão acesso, independentemente de autorização judicial, apenas aos dados cadastrais do investigado que informem exclusivamente a qualificação pessoal, a filiação e o endereço mantidos pela Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito”.
    Novamente aqui se trata de delegado de polícia e Ministério Público. A regulamentação do Marco Civil precisa explicitar as referências legais que acolhe no art. 10, §3º, caso contrário corre o risco de ser utilizada para ampliar demasiadamente o escopo das autoridades que podem ter acesso a dados cadastrais independentemente de ordem judicial. Defendemos, portanto, que ambas as lei sejam mencionadas expressamente na regulamentação, evitando o risco acima mencionado.
    Além disso, a regulamentação deve prever a necessidade de justificativa e observância do princípio da finalidade por parte da autoridade que está fazendo a solicitação (delegado de polícia ou Ministério Público). Nesses casos, a notificação do investigado deve ser a regra, para que possa estar ciente e exercer devidamente os seus direitos ao contraditório e à ampla defesa. Haverá exceções à obrigação de notificação do investigado quanto a lei determinar sigilo ou quando o juiz assim decidir quando se tratar de processo criminal e puder comprometer a investigação.
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  9. Opinião
    A sugestão da Laura e da Veridiana me contempla. Acredito que é um bom jeito de resolver uma parte das questões que levantei. Só ressalto a necessidade de preservarmos a obrigatoridade de justificativa, de avisar o titular dos dados cadastrais como regra e de obrigar as autoridades a divulgarem relatórios sobre o uso deste instrumento, a fim de controlar abusos e desproporcionalidades.
  10. Opinião
    Ficará a cargo da regulamentação discriminar pormenorizadamente quais agentes administrativos terão a faculdade de solicitar tais dados, bem como a natureza do motivo que o determina e em que situações, de preferência mediante justificação prévia. Teríamos portanto um dispositivo legal com característica de norma numerus clausus (número fixo que determina a quantidade de pessoas que podem ser aceites em determinado grupo) Porto: Porto Editora, 2003-2015. [consult. 2015-04-25 02:09:27]. Disponível na Internet: https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/numerus+clausus.
    Considero justificável este acesso quando fundado em inegável fator de interesse público, quando visa, por exemplo, atualização de informações junto ao INSS, Justiça Eleitoral e etc.