A Comissão de Radio-televisão e Telecomunicações Canadense – CRTC (análoga à ANATEL) decidiu que configura concorrência desleal a prática de um provedor de serviço de TV para celular que cobrava mais caro para vídeos de outros provedores de conteúdo e mais barato para acesso aos vídeos oferecidos por seus parceiros.
Ao comentar em detalhes essa outras importantes decisões do CRTC, assim resumiu:
O resultado é uma vitória inequívoca das regras fortes de “neutralidade da rede / internet aberta“, incluindo sua aplicação inequívoca para o acesso sem fio à internet. Como afirmou [o presidente da CRTC Jean-Pierre] Blais, “a decisão TV Móvel é tudo sobre os canadenses ter acesso justo e igual para o conteúdo de sua escolha na internet. Não haverá pistas rápidas e pistas lentas “. Trata-se de manter o controle sobre o que as pessoas o acesso através da internet em suas mãos, e não sob o controle editorial de ISPs e empresas de telecomunicações
Esse posicionamento da ANATEL canadense evidencia fundamentos pelos quais se pode entender com segurança que viola a neutralidade de rede, nos termos em que garantida pelo Marco Civil, a oferta, pelas Telecoms brasileiras, de acesso gratuito a serviços específicos, tais como redes sociais (facebook, twitter) ou mensageiro eletrônico (whatsapp).
Se houvesse acesso gratuito à toda a Internet não haveria problemas. Mas “Otimizar a Internet para um propósito é des-otimizá-la para todos os outros“.
Entendo que seria necessário que o decreto regulamentador do Marco Civil dispusesse expressamente que o referido “acesso gratuito” viola a neutralidade de rede e, portanto, é ilegal.
Acesso ao sites .gov.br
Como opinião pessoal, ainda estou a pensar se defendo uma “neutralidade total”, ou seja, a não-discriminação de dados de qualquer natureza; ou um “controle de vazão”, onde a operadora / provedora / distribuidora regula a vazão de dados conforme a necessidade, demanda, oferta adquirida, etc…
Nesta parte técnica, pelo pouco que li e me informei, lembremos que diferente de um cano de água, que apenas só leva água; “canos” da internet transportam pacotes de dados, que podem ocupar parte de um “cano” seja por um tempo curto (arquivos pequenos) ou longo (arquivos maiores – streaming de vídeo). E muitas vezes esta ocupação acaba ocupando a largura inteira do “cano virtual”. Tais “canos” são conectados via rede por qualquer uma das 65 mil portas TCP/UDP em uma interface de rede. E tais portas podem ser controladas pelo “encanador”, no caso, o técnico de rede (Podem chamar de Mário, se quiserem
), que pode controlar a vazão de qualquer uma destas portas, fechando e abrindo seja por razões técnicas ou não.
Para cada serviço diferenciado fora dos padrões web e que necessitam de uma rota direta, isso vai direto a uma porta TCP. Por isso ocorrem os “traffic shapping” (controle de tráfego) em algumas operadoras, já que as vezes um usuário utiliza-se de algum serviço que ocupa o encanamento inteiro, reduzindo a vazão de outros serviços.
Basta notar que por exemplo, à quem usa serviços p2p como Torrent, liberar todo o serviço ocupa a banda inteira ofertada à si e limita o acesso de outros serviços. Serviços como Streaming e VoIP também ocupam parte da banda.
No caso de “serviços gratuítos”, há uma coisa dúbia neste fato, já discutida na mídia por alguns jornalistas e colunistas de tecnologia. Oferecer um serviço sem cobrança em sites específicos é priorizar um monopólio de serviço em detrimento À outros. Isso é outra coisa que acaba nessa discussão de neutralidade: como considerar “tratamento igual” quando se é possível alguém pagar o preço para ofertar gratuitamente seu serviço?
Um exemplo que poderia ser seguido na regulamentação da lei é o CHILE, onde em 2010 foi estabelecida a neutralidade nos serviços oferecidos por provedores de acesso à internet, vedando o oferecimento gratuito de serviços específicos:
http://www.leychile.cl/Navegar?idNorma=1016570&buscar=NEUTRALIDAD+DE+RED
Também é difícil entender como uma proibição contribuirá com a inovação. A melhor chance de uma empresa inovadora é justamente oferecer um serviço diferenciado que atenda a um nicho de mercado. De fato, muitos estão mais interessados em acesso barato a alguns serviços que a uma internet neutra. Para pessoas de menor renda, esta é a chance de terem ao menos algum acesso à rede sem sacrificar suas contas.
O engessamento de serviços se presta apenas à conservação do oligopólio das corporações dominantes e mais acomodadas. Penso que deveríamos minimizar esse efeito.
Minha visão de neutralidade seria não permitir que o provedor privilegiasse o tráfego de certos dados sem o conhecimento do cliente. Afora isso, acordos, mútuos, deveriam ser permitidos. Isso cabe no texto aprovado? Seria ideal.
Vamos colar lá to texto base:
“O responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação.”
Agora por partes:
“O responsável pela transmissão, comutação ou roteamento”
Esse é o teu provedor de internet, seja ela fixa ou móvel.
“tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados”
Isso significa que ele deve tratar todo o seu trafego de forma igualitária.
“sem distinção por conteúdo”
Não importa se está levando texto, foto, audio, video, etc..
“origem e destino”
Se você está recebendo ou mandando dados para o facebook, uol, tua tia, etc..
É aqui que está o problema de oferecer acesso gratuito para acessar certos sites. Eles estariam discriminando origem/destino, e isso o texto veta por um ótimo motivo que não cabe nessa resposta.
Isso deve ser expressamente proibido, pois o provedor de acesso não pode nem deve decidir o que o usuário pode ou não acessar.
Liberando um serviço, ele está na realidade bloqueando os demais.
A relação deve ser baseada apenas na velocidade contratado e no trafego de dados estabelecido em contrato entre o provedor e o usuário. Atingido o limite de trafego, aplica-se o que estiver previsto em contrato, mas de forma totalmente isonômica e sem privilegio de um ou outro serviço.
A prova disto é uma pesquisa recente, mostrando que em países onde a Tarifa Zero é práticada, a maioria das pessoas não sabe que o Facebook NÃO é a Internet….
Link: http://qz.com/333313/milliions-of-facebook-users-have-no-idea-theyre-using-the-internet/
Aliás, quando pensar em concorrência ao Facebook no Brasil, não penses em Google+ ou VKontakte. Pensa na Rede Globo, que é dela que sai o tempo de muitas pessoas que ganharam acesso à internet. Será que deveríamos obrigar transmissoras de TV a também oferecer internet? Ou operadoras de internet a oferecer TV?
Sobre o artigo: Quase ninguém entende, por exemplo, que o seu telefone inteligente é um computador. E daí? O fato de sabermos algumas coisas que outros não sabem não invalida as decisões das pessoas sobre as próprias vidas.
Oferecer acesso gratuito apenas à rede social X ou Y viola sim a neutralidade porque trata de forma distinta certos serviços. É muito comum que o acesso grátis a uma certa rede social seja fruto de acordo entre a rede social e a operadora, por vezes até patrocinado, para popularizar sua rede social em detrimento das demais. Outra opção seria, como o colega acima menciona, acesso grátis “às redes sociais”, sem se especificar quais seriam essas redes sociais. Nesse caso, ou a operadora definiria que o acesso grátis seria às redes X, Y e Z, ou apenas à X e Y, ou algo semelhante. Em todo caso, ou o acesso grátis é à internet em geral – respeitando a neutralidade – ou é pago para todos os serviços. O problema é justamente tratar de modo diferenciado um serviço ou uma rede social específica.
Fornecer um acesso adicional após atingir o limite de trafego contratual de forma isonômica a qualquer conteúdo respeita totalmente a Neutralidade, mas oferecer esse acesso adicional a apenas algum conteúdo especifico é sim uma quebra da Neutralidade.
A quebra da Neutralidade ocorre quando o provedor “decide” o que o usuário deve ver.
A “tarifa zero” é exatamente isso. Um tipo de censura disfarçado em “vantagem” para o usuário.
A honestidade deve ser mantida. O excesso de regras para disponibilizadores de conteúdo é errado.
Não pode existir traffic shapping senão o que será regulamentado com ajuda da discussão tida aqui e que se enquandre em um dos dois motivos:
I – requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada dos serviços e aplicações; e
II – priorização de serviços de emergência.
Porque ele pode acessar o Twiter e não o Facebook, ou então qualquer outro ?
Ou pior ainda, num futuro próximo uma operadora de telecomunicações pode criar sua própria rede social (ou comprar parte de uma delas) e só essa rede social será “gratuitamente” oferecida a seus usuários.
A Neutralidade deve proibir expressamente a Tarifa Zero, pois ela é uma deturpação com prejuízo a longo prazo disfarçada de beneficio a curto prazo.
Nada mais falso, claro. Se o produto é ruim, muito caro, ou a variedade insatisfatória, procuro outra padaria, ou até deixo de comprar pão.
O teu exemplo não é tão distante. Skypephones, até onde entendo, davam acesso ao serviço do Skype, de voz pela internet, com o objetivo de substituir celulares tradicionais. Nos países onde ganhou mercado, pressionou para baixo os preços de telefonia.
Hoje o WhatsApp, por exemplo, é um dos concorrentes da telefonia na função de conectar pessoas. Ora, uma empresa pode oferecer um pacote de telefonia sem nenhum serviço adicional. Por que a que oferece WhatsApp deveria ter obrigações a mais? Isso é concorrência desleal.
Refaço a pergunta: Que direito temos nós de decidir os serviços que terceiros podem oferecer a quartos? Numa sociedade democrática, todos têm direito de usar seu voto e seu dinheiro segundo o próprio e soberano julgamento.
A concorrência entre operadoras é muito restrita. A migração é dificultada, por exemplo, pela venda conjunta de planos e aparelhos, gratuidades dentro de uma mesma rede, etc. Não se trata de uma liberdade de escolha efetiva, daí a necessidade de estabelecimento de regras mais isonômicas. A internet não é de cada um, é de todos.
Neste caso, se algum provedor quiser bancar o custo do acesso a seu conteúdo, isto se daria por meio da contratação de um serviço próprio de Telecom, gerando uma conta paga por tal provedor e os tributos decorrentes de um serviço Telecom. Seria como uma “VPN” para tal serviço específico e não um acesso à internet com privilégios para o seu conteúdo próprio (serviço telecom, remunerado e tributado como tal). Em suma, qualquer provedor poderia bancar o acesso a seu conteúdo, mas não via Internet (pública). Desta forma, ficaria à disposição de qualquer provedor (isonomia) tal contratação de um serviço “Telecom”, além do que, os desdobramentos comerciais e fiscais da exploração deste serviço dariam mais transparência a seus reais objetivos e ganhos pretendidos.
Por outro lado, o serviço de acesso à internet (best effort), permaneceria imune a toda e qualquer discriminação de conteúdo, mantendo sua proposta de transparência e neutralidade. Não poderia haver discriminações de qualquer ordem ou natureza e sua fruição teria a classificação de um Serviço de Valor Adicionado, visto que pode ser particularizado como algo que acrescenta valor ao serviço telecom.
Ora, o serviço de acesso à internet não é um simples serviço de comunicação de dados, razão pela qual se discute nesse fórum suas peculiaridades. Neste sentido, nada mais razoável do que enquadrar o serviço de acesso à internet como aquele que acrescenta valor a um serviço de telecom, subsumindo-se a tal proposta o que está descrito na LGT em seu art.61, a saber: “Serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações.”
Não é à toa que neste momento se discute um anteprojeto de lei para a proteção dos dados pessoais. Todos sabemos que por detrás de uma suposta gratuidade de serviços, o que realmente acontece é que o usuário acaba virando produto. Isto é temerário e carece de uma tutela especial por parte do Estado. Creio que é preciso dar mais transparência a estas iniciativas e impedir que o cidadão comum seja ludibriado. É preciso ter muita atenção aos contratos de adesão que estão por detrás de tantos serviços que vilipendiam a privacidade e intimidade dos cidadãos brasileiros. A internet, infelizmente, é um campo fértil para muitas iniciativas funestas.
Senhores, nós que há mais de 500 anos temos trocado nosso ouro por pentes e espelhos, precisamos passar a protagonizar nossa própria história. Se querem nos oferecer serviços “gratuitos”, é fundamental que saibamos de forma bem clara (até mesmo o cidadão comum) quem está pagando a conta e qual a pretensão de tão questionável favor.
Finalmente, sumarizo a ideia de que a distinção de naturezas entre os serviços de telecomunicações e o serviço de acesso à internet possa ser uma boa alternativa para mantermos a neutralidade da internet, darmos transparência às iniciativas de patrocínio a conteúdos próprios e, ao mesmo tempo, uma maneira de fomentarmos a universalização do acesso à internet reclassificando-o como SVA (tutela diferenciada e menos impostos).
(i) o zero-rating, visto da perspectiva do usuário, pode trazer benefícios (usuários acessando gratuitamente aplicações de seu interesse) e também consequências adversas desse uso (criação de walled-gardens, maior vulnerabilidade ao controle de discurso, aumento de preços médios de acesso). Com exceção da consequência referente ao aumento de preço de acessos (que já foi objeto de estudo pela Digital Fuel Monitor), nenhum outro argumento (positivo ou negativo) possui fundamentação empírica consistente, e os marcos teóricos utilizados são insuficientes para resolver essa problemática.
(ii) visto da perspectiva dos provedores de aplicações, há evidências que, a meu ver, são bastante robustas para sustentar que essa prática fere a isonomia entre aplicações, fortalece efeitos de gatekeeper, aumenta barreiras de entrada no mercado e reduz o potencial de crescimento da indústria local. Há argumentos teóricos suficientes (teorias Schumpeterianas e de dependência) e argumentos empíricos que sustentam esse argumento.
A decisão da regulamentação do Marco Civil não é se o zero-rating é ou não permitido. Dogmaticamente falando, a interpretação do que está escrito no Marco Civil cabe ao Judiciário, e não ao Decreto específico. O decreto pode até facilitar a interpretação, sugerindo um caminho (a favor ou contra), mas caberá ao Judiciário entender se, no caso concreto, qual a interpretação a seguir. Contudo, minha opinião é que nem o Executivo (em sua função regulamentar) nem o Judiciário devem admitir uma interpretação que possa excluir do alcance da neutralidade da rede as discriminações em nível comercial (como ocorre com o zero-rating), com o risco de tornarmos a regra extremamente ampla e inócua, permitindo os mais diversos arranjos comerciais que, na prática, podem levar a um “tv-a-cabonização” da rede.
Há caminhos que o zero-rating possa ser admitido? Acho que, para serviços de emergência e serviços “0800” com condições isonômicas e não-discriminatórias, é possível oferecer algum nível de gratuidade de dados a usuários (falo um pouco disso na minha contribuição). Nos demais casos, os custos são bastante pesados para pequenos provedores de aplicações (e que são uma parte importante da promoção de políticas públicas no setor de inovação), e mesmo os benefícios são difusos e pouco perceptíveis aos demais grupos de interesse (e aqui incluo os usuários também).