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outubro/2015

Entrevista com o Secretario Nacional de Justiça Beto Vasconcelos

Publicado por: refugiados

Pensando o Direito –  Qual o papel do Brasil no atual contexto da crise humanitária de refugiados?

Beto Vasconcelos –  A Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou recentemente um relatório com a situação do refúgio no mundo. E a notícia é triste. Nós batemos o recorde de número de pessoas deslocadas de suas casas. São 60 milhões de pessoas fora de seus lares, somente em 2014. Dessas, 20 milhões foram obrigadas a deixarem seus países.  Esse aumento crescente do número de refugiados gera impacto em todos os países do mundo.

No Brasil, nos últimos quatro anos, verificou-se um aumento da solicitação e concessão de refúgio, A maior parte desses refugiados é de nacionalidade síria.

O Brasil tem adotado uma política humanitária com relação a dramática situação que vivem essas pessoas que foram obrigadas a sair de seus países. Em 2013, o país publicou uma medida de adoção do visto especial para pessoas afetadas pelo conflito. Garantiu, com isso, que mais de 2 mil sírios pudessem obter proteção e acolhimento aqui no país. Essa tem sido a postura com relação a refúgio, com relação ao drama das pessoas que vem solicitar e buscar proteção em nosso país.

PD –  O que é levado em conta durante o processo de análise de solicitação de refúgio e o que leva uma solicitação a ser indeferida ou arquivada?

Vasconcelos –  Além de uma questão humanitária, que já seria motivo suficiente, o fato é que o Brasil assumiu compromissos internacionais ao longo de sua história. Ele é signatário, pois assinou a convenção das Nações Unidas para refúgio, em 1961; a declaração de Cartagena, que é o marco para refugiados na América Latina, em 1984 e promulgou sua própria Lei de Refúgio, em 1997. Essa Lei é considerada uma das mais modernas do mundo. Pois, além de prever a hipótese de concessão de refúgio para pessoas que são perseguidas em razão de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política, nossa legislação também reconhece o refugio para aquelas pessoas que saíram de países em que há grave e generalizada violação de Direitos Humanos. Normalmente, países que têm conflitos armados, guerras civis ou guerras com países vizinhos.

Essas são as hipóteses previstas na Lei brasileira. Então, ao solicitante de refúgio é garantido pelo ordenamento jurídico brasileiro, o julgamento justo sobre sua solicitação e garantia de refúgio. A legislação brasileira garante ao solicitante de refúgio o direito de ver sua solicitação julgada e apreciada pelo Conselho Nacional para Refugiados, composto por integrantes e representantes do Governo Federal, da sociedade civil, e é acompanhado pela Agência das Nações Unidas para Refugiados, o ACNUR.

PD –  Atualmente, o Conare está trabalhando para tornar mais rápido o processo de análise e regularização dos refugiados no país. Como isso será feito?

Vasconcelos –  O aumento de solicitantes e de refugiados no mundo impactou no Brasil. Esse crescimento recente fez com que nós fortalecêssemos nosso Sistema Nacional de Refúgio. Por isso, o Governo Federal tomou as seguintes iniciativas: em primeiro lugar vai abrir atendimento descentralizado do Comitê Nacional para Refugiados, nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, garantindo uma maior capilaridade no atendimento e nas entrevistas desses solicitantes. Também contratamos junto com a ONU onze consultores para melhorar nossos processos, para aprimorar nossas entrevistas e, também, para instituir boas práticas oferecidas em outros países, aqui no Brasil.

Além disso, o Governo Federal trabalha para reforçar a equipe do Conare com a abertura de chamamento a servidores públicos para garantir maior eficiência na instrução desses processos e  maior rapidez em seu julgamento. Instituímos mecanismos de tecnologia, como vídeos conferências para melhorar o atendimento e as entrevistas desses solicitantes em todo território nacional.

PD –  Em todo o mundo, a abertura das fronteiras dos países, independente do motivo, torna-se um delicado ponto com fortes opiniões favoráveis e contrárias. O que motivam as visões extremas? Na sua opinião, qual o reflexo delas na vida dos refugiados?

Vasconcelos –  O que motiva posições e opiniões extremas é a falta de conhecimento. Por isso, nós lançamos uma campanha para esclarecer quais foram os compromissos internacionais que o país assumiu sobre refúgio, sobre a legislação brasileira de refúgio e também para explicar quem são essas pessoas, de onde elas vieram e por que elas foram obrigadas a sair de seus países.

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A campanha tem por intuito expor o drama humanitário que 60 milhões de pessoas vivem no mundo, o  drama que faz famílias inteiras se jogarem e se lançarem ao mar, arriscando a vida de todos, porque em terra firme o perigo é maior.

O Brasil é um país solidário e humanista, cuja a sociedade foi construída, ao longo dos anos, por pessoas de várias partes do mundo. E essa sociedade plural, diversa, humanista e solidária, haverá de compreender e, certamente, haverá de auxiliar e acolher, como fez ao longo da sua história, essas pessoas que hoje precisam tanto da nossa ajuda.

É importante esclarecer à sociedade que os refugiados buscam uma melhor oportunidade de vida, assim como todos nós. Para além disso, a grande verdade é que eles buscam uma oportunidade de se manter vivos. Esse é o grande desespero deles e de suas famílias. Essa campanha tem por intuito também diminuir e apresentar um contraponto a manifestações que certamente são pontuais e minoritárias de intolerância, ódio,  preconceito e  xenofobia.

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PD –  Sobre os haitianos no Brasil, existe muita confusão. Você poderia esclarecer a diferença entre haitianos e refugiados?

Vasconcelos –  Há uma diferença entre migração forçada, que é a migração de refugiados, que é aquela que se dá por que a pessoa foi obrigada a deixar o seu país e a migração socioeconômica, que é a busca por melhores oportunidades de vida. Os haitianos em grande parte configuram essa migração, que é a migração socioeconômica. Para  essa migração, que se acentuou mais profundamente após o terremoto de 2010, tendo afetado quase 30% da população do Haiti, o Brasil tem uma política humanitária, pois  instituiu um visto humanitário permitindo que esses fluxos de imigrantes venham ao Brasil e sejam acolhidos em nossa sociedade.

 

 

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